Vladimir Horowitz e a autossabotagem

Um dos mais brilhantes pianistas de todos os tempos tentou, espontaneamente, a "cura gay"

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Vladimir Horowitz
Vladimir Horowitz – Reprodução

Biografias de Vladimir Horowitz são muitas, à disposição.

Mas preferi, além dos dados que você, leitor, vai encontrar na segunda metade do texto, tentar entender analisando a partir dos movimentos pró e antiLGBT na Rússia (desde o tempo do czar bi Ivan IV, ou Ivan, O Terrível), a atitude incomum do músico ao se internar de livre e espontânea vontade e levar eletrochoques para “curar” sua orientação sexual.

Até porque contou, até a morte (1989), com a compreensão e colaboração da esposa Wanda Giorgina Toscanini Horowitz, filha de Arturo Toscanini. Wanda, criada num ambiente muito repressor, reagiu aceitando o marido como ele era, em certos momentos até “organizando” a sua vida fora do casamento.

Pianista russoVladimir Horowitz (Foto: Jean Pimentel/Kipa/Sygma via GettyImages)
Pianista russo Vladimir Horowitz (Foto: Jean Pimentel/Kipa/Sygma via GettyImages)

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Linha do Tempo da situação dos gays na Rússia, lembrando que – entre uma data e outra mencionada aqui abaixo – verdadeira gangorra pró e contra acontecia no país. Os 86 anos de vida de Horowitz decorreram durante esses diversos ambientes.

*Ivan, o Terrível (1530-1580, bissexual, morreu da mesma forma brutal como viveu, arrastado pela multidão pelos órgãos genitais ao lado de seu presumido amante.

*Em 1716, Pedro, O Grande, proibiu a presença de gays nas forças armadas.

*1832 – Publicação do artigo 995 da Constituição, que punia gays, os enviando para executar trabalhos forçados por tempo indeterminado, na Sibéria.

*No final do século 19, período de tolerância, especialmente com os indivíduos que estavam alinhados com a Família Imperial – e não eram poucos. O Grão Duque Sergei Romanov que era gay, tio de Nicolau II, governou Moscou entre 1891 e 1905.

*Texto gay friendly de Wladimir Nabokov foi publicado pelo Dr. Magnus Hirschfeld (1868-1935), famoso médico e sexólogo alemão, pioneiro na defesa dos direitos dos homossexuais.

* Na sequência da Revolução, Lenin descriminalizou a homossexualidade.

O pianista no No Carnegie Hall - Reprodução
O pianista no No Carnegie Hall – Reprodução

*Entre 1919 e 1933,novo Código Penal aboliu velhas leis czaristas e o Partido Comunista legalizou o divórcio, o aborto e a homossexualidade.

* Mas, sob Stalin (1933-1953), a prática de amor entre pessoas do mesmo sexo ficou expressamente proibida. Cinco anos de trabalhos forçados na Sibéria era a pena para os homens. As lésbicas foram poupadas. Leis antigays foram usadas para qualificar a homossexualidade como sinal de fascismo(!).

*1953 – Sob Nikita Kruchev as leis de Stalin foram “afrouxadas”, mas o Direito Penal antigay continuou firme.

* Pesquisa realizada em 1989 (ano da morte de Horowitz), mostrava que os homossexuais eram odiados na União Soviética por 30% da população. Era mesmo sugerida pena de morte.

* Yeltsin (1991-1999) assinou lei tolerante, mas não avançaram as leis pró-LGBT.

* Em 1999, a orientação sexual homo deixou a lista de transtornos mentais na Rússia.

* Em 1º de julho de 2003, novo estatuto aceitava homossexuais nas Forças Armadas.

* Em nossos dias, sob Putin, é proibida a homossexualidade, punida com severas multas e deportação para estrangeiros.

Dois grupos “vigilantes” realizam campanhas antigays:

Occupy Gerontofilia, que caça adolescentes gays e o Occupy Pedofilia, sempre equiparando homossexualidade à pedofilia(!!).

Esses grupos atuam online, atraindo vítimas para ambientes teoricamente “simpáticos à causa”, onde pessoas são identificadas, perseguidas e humilhadas perante as câmeras.

O pianista no No Carnegie Hall - Reprodução
Reprodução

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Linha do Tempo de Wladimir Horowitz

Traduzi e adaptei texto original de Slawomir P. Dobrzanski.

*Vladimir Samoylovych Horowitz nasceu em 01 de outubro de 1903, na Ucrânia, filho de Sophie e Simeon Horowitz. Aos seis anos, começou a estudar piano com a mãe.

*Frequentou o Conservatório de Kiev, onde foi aluno de Sergei Tarnovsky, Vladimir Puchalsky, e Felix Blumenfeld.

*A carreira solo começou na União Soviética, onde rapidamente ganhou fama como intérprete de técnica extraordinária.

Foi autorizado a deixar a Rússia em 1925 como parte de uma missão para propagar a cultura soviética no exterior, mas não retornou.

*Depois da turnê de 1926 (Berlim, Hamburgo, Paris, Roma e Londres), Horowitz estabeleceu-se em Paris.

*Muitos eram os rumores sobre sua “excentricidade”: visitas a bares de marinheiros em cidades portuárias e fascinação por roupas extravagantes de preferência cor-de-rosa e uso de maquiagem.

*Em Berlim, contratou um jovem assistente pessoal alemão e a relação que durou seis anos – talvez não tenha sido simplesmente profissional.

*Em 1933, Horowitz realizou pela primeira vez uma turnê com o lendário regente Arturo Toscanini. Esta relação artística levou-o ao casamento com a filha de Toscanini, Wanda, em dezembro do mesmo ano.

*Os motivos para a decisão de Horowitz se casar permanecem obscuros. Seus amigos davam um mês para o casamento terminar, assim como o futuro sogro. A razão para tal ceticismo generalizado era o forte interesse sexual de Horowitz por homens.

*No entanto, a união parecia feliz. Wanda cuidava de todos os assuntos de seu marido.
*Em outubro de 1934, nasceu a filha Sonia Toscanini-Horowitz (que morreu em 1975,de uma overdose de soníferos.)

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O último concerto de Horowitz na Europa ,antes da segunda Guerra Mundial, aconteceu Lucerna, Suíça (agosto de 1939).

*Em seguida, a família Toscanini – Horowitz se estabeleceu em Nova York, centrada na poderosíssima personalidade do sogro.

Até a morte de Toscanini, em 1957, Horowitz não exercia a mínima influência dentro de casa.

Para facilitar a vida e os deslocamentos, aceitou oferta para ser cidadão honorário do Haiti.
Em 1945, tornou-se cidadão dos Estados Unidos.

*Como nunca conseguiu desenvolver uma estreita relação com sua filha e cheio de conflitos interiores, começou tratamento psicanalítico com o Dr. Lawrence Kubie, um psiquiatra que se especializou em “curar” homossexuais, especialmente celebridades.Entre seus outros pacientes, Tennessee Williams.

*Mesmo sendo a esposa Wanda muito favorável a todos os seus empreendimentos, incluindo a (falha) tentativa de mudar a orientação sexual, Horowitz separou-se dela em 1949 por um período de quatro anos.

*Durante este tempo, viveu com Carl Erpf.

*Na década de 1960, passou por terapia de eletrochoque para curar a depressão. Parecia exibir uma atitude um pouco mais relaxada em relação à homossexualidade. Na vida pessoal estava, aparentemente, satisfeito a esse respeito.

*Ao longo da vida nos Estados Unidos, Horowitz sempre teve um criado pessoal. Alguns destes ‘assistentes pessoais’ viveram em sua casa com Wanda que, durante todo o tempo, continuou a aceitar as atitudes do marido.

*O estresse emocional relacionado com o desejo de se realizar como ser humano inteiro e os rigores das viagens de trabalho afetaram profundamente Horowitz.

*Sempre em crises de saúde emocional e física, decidiu se retirar. Não realizou concertos públicos de 1936 a 1938, 1953-1965, 1969-1974 e 1983-1985. A cada volta a euforia do público era intensa. A técnica incomparável hipnotizava.

*O retorno mais impressionante foi durante os últimos anos de vida. Em 1986, com a idade de 83, tocou na União Soviética (pela primeira vez desde 1925), no ano seguinte, no Japão, Itália, Áustria, Holanda e Alemanha.

*O último concerto público foi em junho de 1987, em Hamburgo. *O grande pianista morreu de um ataque cardíaco em 5 de novembro de 1989.

*A dedicada Wanda morreu em 1998.

Legado

*Várias gravações premiadas para a RCA Victor, a Columbia Records, Deutsche Gramophon e Sony Classical.

*Foi grande divulgador da música de compositores relativamente desconhecidos nos Estados Unidos, na época: Sergei Prokofiev, Karol Szymanowski, Alexander Scriabin, Dmitri Kabalevski, Domenico Scarlatti, Muzio Clementi, e o norte-americano Samuel Barber.

*Também gostava de ensinar, embora dissesse a seus alunos que estava apenas dando-lhes dicas.

*Byron Janis, Gary Graffman, Ivan Davis e Murray Perahia foram seus alunos

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Prelúdios, Opus 32 n.12 Rachmaninov

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