Jean Michel Basquiat: Chama intensa, brilho curto

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A década 70/80 – junto com as correntes migratórias iniciadas nos anos 60, por conta das lutas políticas e anseio de liberdade – trouxe para o cenário artístico novaiorquino uma lufada de ar tropical vinda do Caribe e de Porto Rico.
Ritmos como o hip hop, o break, o rap e nas artes, o graffiti encontraram um solo fértil e carente de novidades.
Artistas haitianos, cubanos, jamaicanos, dominicanos e porto-riquenhos trabalhavam em clubes e salões no Queens e no Brooklyn, espalhando as marcas da origem africana comum.

Neste contexto nasceu, cresceu, se revelou, se cultivou e se rebelou e se matou Jean Michel Basquiat.
Figura carimbada na lista de pioneiros/transgressores, mas também citado como namoradinho de Maddona e de outras menos relevantes.

O grande barato da arte de Basquiat – originário de família da elite haitiana, onde seu pai foi Ministro do Interior – era se expressar com a revolta e autocomiseração clássicas de uma outra fatia social à qual não pertencia.

Afro-latino-americano, pintor e músico, ganhava a vida pintando t-shirts assinadas “man made” (feita pelo homem) e cartões postais.
Tornou-se um artista de vanguarda com carreira literalmente coroada – pintava coroas,tiaras… – de sucessos e personagem importante da arte contemporânea.

Com o amigo Al Diaz reinventou o moderno graffiti.
Inseriu citações, ora humorísticas ora enigmáticas, assinadas com o pejorativo SAMO – same old shit – (mesma velha merda) que os críticos chamaram de”autodefinição cultural “.

1986, New York, New York, USA --- Jean-Michel Basquiat --- Image by © WilliamCoupon/CORBIS
1986, New York, New York, USA — Jean-Michel Basquiat — Image by © WilliamCoupon/CORBIS

Arte na veia

Jean-Michel Basquiat nasceu em 2 de dezembro de 1960, no Booklyn, NY, filho de Gerard Jean-Baptiste Basquiat – proprietário de um grande escritório de contabilidade que atendia brancos e negros, ex-Ministro do Interior do Haiti e de Mathilde Andrada ,portorriquenha.

Tinha duas irmãs mais jovens. A paixão pela arte era muito evidente.
Aos 3 anos,já fazia caricaturas tendo como tema os desenhos animados da televisão. Aos seis anos, tinha carteira de sócio-mirim do Brooklyn Museum.Visitar o MOMA, Museu de Arte Moderna era um dos programas favoritos.

Aos sete, atropelado por um carro, perdeu o baço e passou uma temporada no hospital, quando ganhou da mãe um livro de anatomia (Gray’s Anatomy), que teve influência decisiva em sua obra, nas futuras pinturas de corpos humanos e nomeou sua futura banda musical – “Banda Barulho Gray”.

Com o divórcio do casal, Gerard partiu com as crianças para Mira Mar, Porto Rico e lá viveram dois anos (1974-76). Jean Michel, agora bilíngüe, voltaria muitas vezes em férias, inclusive nas últimas (1987) para melhor absorver suas raízes e praticar o espanhol.

Pulava de escola em escola e, nos quadrinhos da época, os personagens mais constantes eram Hitchcock, Nixon, automóveis, guerras e J. Edgar Hoover, o homofóbico e homossexual poderoso chefão do FBI.

Robert Farris Thompson, num belo ensaio sobre a infância do artista, conta que “com o pai, aprendeu a ter confiança e a ser obstinado, com a mãe aprendeu a utilizar a obstinação em favor da criatividade e um dos aspectos recorrentes de sua iconografia: a medicina de diagnósticos se relacionando com textos e desenhos”.

O talento se manifesta

Voltando a morar em Nova York, conhece o artista gráfico Al Diaz com quem desenvolve uma parceria artística.
Em 1978, abandona a Edward R. Murrow High School praticamente no final do curso, sai de casa e vai morar com amigos, vendendo camisetas pintadas na rua.
Começa a ter certo prestígio na cena do East Village,aparecendo regularmente no programa de televisão de Glenn O’Brian e, depois, sendo filmado e dirigido pelo fotógrafo Edo Bertoglio, no filme Downtown 81.

Com o dinheiro ganho no filme comprou material de trabalho e a produção do programa “emprestou” um local no Soho onde poderia fazer seus experimentos.

Sempre ligado à musica, que estava presente no ambiente de trabalho como pano de fundo – era eclético: jazz, blues, raízes afro e Maria Callas – formou a Banda, que teve vida curta, mas permanece no estilo e nos temas de seus quadros.
Em 1979, Diego Cortez adquiriu grande parte do acervo de Basquiat e o apresentou a Henry Gedahler que se tornou um dos maiores colecionadores da obra.

Em junho de 1980, participou do Times Square Show, uma coletiva de artistas do movimento punk e grafiteiros. Patrocinada pelo COLAB (Collaborative Projects Incorporated) realizada num armazém abandonado. Basquiat escolheu uma parede e a pintou com brocha e spray, diante da Imprensa que cobria o evento.

René Ricard, agitador cultural, poeta e crítico de arte, publica “O menino radioso”, no ArtForum e projeta Basquiat na cena internacional.

Ele começa a sair com uma jovem candidata ao estrelato – Madonna- e, nos anos seguintes, expõe ao lado de artistas como Keith Haring e Barbara Kruger.
A marchand Annina Nosei, primeira agente oficial, cede um estúdio, onde começa a ser criada a fase do “primitivismo intelectualizado”.

Com Julian Schnabel, David Salle, Francesco Clemente e Enzo Cucchi faz parte do grupo dos novos expressionistas, pintando personagens esqueléticos e rostos parecendo máscaras, carros, edifícios, policiais, crianças brincando e – sempre – novas formas de trabalhar graffiti.

O meio, o fim e os meios que levaram ao fim

Entre 1982/85, período considerado o meio da carreira, começa a fazer colagens, quadros com espaços vazados e superfície densa com mensagens escritas, que remetem às raízes africanas, aos heróis negros históricos e contemporâneos e aos acontecimentos nos quais estiveram presentes. Em

1982:foi o mais jovem artistada mostra Dokumenta, de Kassel.

E, em 83, era novamente o mais jovem artista da Bienal do Whitney Museum, em Nova York

Foi justamente em1983, que Basquiat encontrou Andy Warhol, com quem colaborou em arte e com quem construiu uma forte amizade em vida.
Tal como um pai encaminha um filho, Wahrol abriu as portas da famosa “Factory”, cedeu uma casa para que Basquiat pudesse morar e trabalhar, divulgou o trabalho e patrocinou algumas excentricidades

Em 1985, com importantes exposições aumentando o portfólio ( Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris, entre outras), Wahrol acompanhou o pupilo a uma visita a Gerard, o severo pai.

Levavam exemplares do Time Magazine, que trazia matéria de capa: “Nova Arte, Novo Dinheiro, o marketing de um artista americano”, sobre Basquiat, entre outros.
Uma corrida às bancas de jornais, a consolidação do sucesso.

O último período – 1986 até 1988 – apresenta uma pintura figurativa que buscava fontes, símbolos e novos conteúdos.
A morte, onipresente na obra, parece um presságio, dizia um critico” no cruzamento dos caminhos entre a transvanguarda italiana e os novos selvagens berlinenses”.
Basquiat ainda estava muito abalado e deprimido com a perda de Wahrol.

E o presságio se confirmou em 12 de agosto de 1988, no apartamento da Great Jones Street, por overdose de heroína poucos dias antes de uma outra viagem à Costa do Marfim, onde tentaria recompor as forças do organismo debilitado pela vida intensa em tão breve tempo.

Primeiro negro a penetrar na exigente cena das artes plásticas americanas, a partir das paredes de Nova York expôs nos mais importantes museus no mundo.

Uma sala especial da 23ª Bienal de São Paulo, em 1996, homenageava o talento de Basquiat.A Pinacoteca do Estado de São Paulo exibiu uma retrospectiva em 98, por ocasião dos dez anos de morte.
Paraná e Pernambuco também conheceram de perto o seu trabalho.

O pintor Julian Schnabel estreou como diretor no cinema na Miramax, em 1996, com “Basquiat”, filme inspirado na vida do artista, vivido por Jeffrey Wright. Andy Wahrol é David Bowie e mais um grande elenco.

Os anos 80 e a cena artística norte americana estão para todo o sempre marcadas pela figura emblemática e única que tanto realizou e tão cedo se foi.
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Filme “Basquiat, traços de uma vida”(1996)
Legendado em português (PT)

 

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